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Mostrando postagens de 2018
Por que caminho devo seguir para tua alma? Por que anel supremo? Por que quarto de outono? Corro pelo horizonte porque uma faca corta a cópia do teu rosto como um barco corta um rio. Haverá Deus avesso a este sono? _______mariagomes
Um solo, um único solo neste pedaço de céu que cegamente vejo. O mar, a pá de um remo, outrora a anuência dos teus olhos. Um solo, um único solo, um beijo eterno. _______mariagomes
Dar-te-ei um deus ausente, a estrada, a água, o vento que bebi. Dar-te-ei um lago, a lua, a nobre e lúcida luz do impossível antes que a noite caia e o dia apague o rasto do poema perecível que escrevi. ______mariagomes
Amor que tão longe foste por aqueles dias de outono, quem pode saber a causa do fogo posto na alma? Amor que não suponho ser calma ou rubro desejo. Amor que vive no beijo do além das tardes lavradas. Amor vestido de aves e asas quebradas. __________mariagomes
O poema não é escrito por mim, mas pelo tempo. Eu dou apenas o mote, depois o tempo encarrega-se de o escrever. Eu sou uma mera intermediária nesta arte que a ninguém pertence. _______mariagomes
Amo a música em todos os pontos cardeais. Sem música eu não escreviveria __________mariagomes
Amo os livros. Não terei qualquer pudor em afirmar que os desfolheio e leio como quem faz amor. Depois, custa-me muito despedir de um livro. Eu, às vezes, abraço os livros com o mesmo desejo com que abraço os homens. ______mariagomes
Um livro não se mede a páginas. _______mariagomes
Vivi para sempre quando te amei. Vivi olhando a beleza das coisas. Olhando a cor do outono, o cair da folha... Vi o outono ganhar um dourado céu como uma ave. Nos teus olhos, comovia-me sempre a eternidade, comoviam-me as aves. __________mariagomes
Chove quando menos te lembro. Em todos os poema nomeio a chuva como nomeio os barcos. Junto ao mar... Chove tanto! Docemente, junto aos teus lábios... E ao teu cabelo. A chuva vem de um véu da noite. Vem do ventre das palavras, dos palmares, das brancas mãos que tanto amei. E ouve, ouve,  agora, a água que goteja, ouve meus olhos viajantes pela nudez dos campos. Ouve o espectro desta voz sem nome, sem palavras. Chove. ____________mariagomes
Materna dor a parir sonhos infantes, em teu claro corcel, a rosa que desenhas arde no crepúsculo de todos os dias, na tarde da primeira estrela que brilha quando há céu. ______mariagomes
Schubert oferece-me um pássaro de chuva o céu aberto e sombrio. Um solo pianíssimo. E a melancolia vigia a minha janela. ______mariagomes
Quero-te. Quero-te mais do que quis. Quero que me fales, outra vez, da raiz do deserto das searas que vi. Quero que contemples, por mim, o dilúvio, E o rio. O rio que te correu na voz e, um dia, voltou a incendiar o azul. Quero que me escrevas uma carta que me diga do mundo, e de ti. _________mariagomes
Inacabável canto ruína que silencia, que dança, e se rebela e é pedra e coração. ______mariagomes
Eu, estátua e solidão, eu, âmago caminho para o mar da minha sede. Eu, livre e triste, canto a minha noite e o meu canto existe para além do sol. ________mariagomes
Na minha morte sou o grafismo da chuva a raiz a arder alma alva inatingível. ______mariagomes
Para o meu jardim secreto, a cor do teu sorriso. Para o fim das tardes outonais, o teu cabelo, um pássaro em fogo, crepuscular. Para o mar,  a forte e funda condição humana que me exorciza, profana, tutelar. ____________mariagomes
Escrevo para que o sol nasça dentro de mim. Escrevo para ouvir as palavras que nunca ouvi. _________mariagomes
[ apontamento, para memória] Estavas no quarto de um hospital, quando o cirurgião  dizia que depois de seres operado, quando abrisses os olhos terias, de volta, a savana. Imensa terra com algumas árvores, arbustos isolados e muitos pássaros, e o céu a arder. Era inverno. E continuou a ser inverno, pai. Nunca mais a savana. Nunca mais o sol, a terra, e o mar logo ali. Nunca mais a terra se vestiu para a grande festa africana. __________mariagomes
As mães costuram as unhas nas funduras dos ventos para que os filhos vejam o tamanho e a cor de um campo farto de trigo. As mães sangram, as mães descobrem  mantos de sorrisos, a alegria dos sóis para que nunca anoiteça, luz se faça ante os olhos de seus filhos. As mães são as mais belas criaturas que plantam amor nos desertos. As mães chovem para que os rios desaguem. São o mar e o verão quente ainda que os dias nasçam cinzentos. São as mães. ________mariagomes
Vem aí a primavera com seus alabastros e jóias de jade. Para nós, o tempo renasce arrulhando como uma ave, mãe. Teremos as flores de âmbar, um rio que se ergue com voz fecunda, as vagas de espuma, agitadas, que pairam no peito até que se ponha o sol e depois a lua. _______mariagomes
Uma ave cresce nos meus dedos no meu corpo como um sol perdido. Se cantasse eu ouviria a voz amada que me embalou; a profecia, sensível, calada do vento que sopra pelos areais. E ouviria as âncoras que se levantam febris na infância que foi. Ah amor que flui, alma adormecida de um só oceano! Uma ave cresce nos meus dedos no meu corpo como um sol perdido, e não canta. __________mariagomes
Procurei os que amei entre a luz e a sombra. Semeei o que tinha, e o que tinha era apenas o urdir de cigarras solitárias pelas ravinas. Vivi num deserto continuamente azul. Havia a porta, havia o mar. mariagomes